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Experienciar ou não experienciar, eis a questão! (Quando se confundir com a experiência nos limita)




Aquele que acredita na experiência como a essência de seu próprio ser, se confunde sem notar, em seu senso comum, que por meio da experiência tudo o que fazemos é acumular impressões, registros, memórias e narrativas, como recortes da realidade, que tem por objetivo reforçar uma identidade e comprovar a existência de um sujeito separado na experiência.

Toda experiência é mental, e aparece como um lampejo, um fenômeno mutável que aparece para depois desaparecer e, em nada acrescenta ou retira de nossa própria essência, pois a natureza do Ser é imutável.

Tudo o que pode ser acumulado, pode vir a se tornar lixo, como uma forma de entulho. A visão fica tolhida por uma espessa camada de impressões de experiências, da vida deste acumulador, desta contração de desejo e medo que é a personalidade.

Nessas condições nos sentimos pesados, rígidos, com muitas certezas. Agora que acumulamos um saber baseado na experiência do passado, acreditamos que teremos maior facilidade para lidar com o instante presente. Mas, se os desafios que este instante nos oferece são inteiramente novos, como um conhecimento passado poderá, efetivamente, nos ajudar?

Isto é como um simulacro bem projetado. A experiência é de fato válida, quando nos ajuda a nos tornar flexíveis e a manter a mente aberta, para adquirirmos novos aprendizados, mas pode se tornar fonte de ansiedade e angústias.

Quantas vezes você sentiu o desejo, a ânsia de vivenciar uma experiência, uma sensação, como se internamente um sentimento gritasse, como uma criança faminta que implora a sua mãe por leite, diante de uma situação como essa, tanto a realização do desejo quanto a sua não realização, são incapazes de aplacar essa ânsia.

Descobrir que não somos nossas experiências é libertador.

A imagem do homem sábio como alguém muito experiente é distorcida, baseada em senso comum, que busca valorizar a experiência acima de nossa essência, criando uma hierarquia que coloca aquele que teve a oportunidade de vivenciar mais experiências como um ser superior, por essa razão, suas experiências são tão valorizadas.

Aprender e viver para ser alguém é um dogma inquestionável para muitos, assim como a meritocracia, visão muito comum dentro de uma sociedade de consumo que está sempre nos orientando para uma próxima conquista, ou seja, no porvir.

Diante disso a vivência do presente, onde tempos a liberdade de simplesmente ser é desprezada e, este instante, se transforma apenas numa ponte para a realização de uma experiência no futuro.

A verdade é que todos somos, aqui neste instante, todo o nosso potencial, realizá-lo ou não, é apenas uma questão de expressão.

São raros os instantes onde temos a oportunidade de tomarmos ciência, de que somos muito mais do que as nossas experiências. Veja como é curioso observar uma pessoa acometida da doença do Alzheimer, as memórias de suas experiências são gradativamente deletadas, o nome e a história das pessoas com as quais convivera no decorrer da vida são esquecidas e, no entanto, sua consciência de ser permanece, isto é, sua essência ainda está lá.

Quando observamos nossas vidas e o conjunto de nossas experiências, necessitamos encontrar uma visão impessoal da existência, essa visão revelará o que é, não aquilo que poderia ou deveria ser, com base em nossas interpretações e julgamentos. A vida não segue a lógica do mercado e do acúmulo. Ela sempre é, o que é, em sua essência.

Dito isto, podemos concluir que a experiência não é má ou boa, mas neutra, podendo ser utilitária dentro de um contexto ou um empecilho quando a tentamos reproduzir diante de circunstâncias onde o saber acumulado enrijece, nos faz olhar para a vida com as lentes do passado, nos impedindo de nos deparar com o frescor da novidade ou como no exemplo dado anteriormente, quando o desejo pela experiência se transforma num desejo imperioso e exigente em nossas mentes.

O sujeito que vive para acumular experiências está engessado, age com base em impressões do passado, cheio de receios de se machucar e sofrer novamente, e precisa caminhar sobre ovos, na tentativa de evitar a dor e o sofrimento. Há um antigo ditado chinês que diz: Aquele que tem medo de sofrer, já está sofrendo de medo.

O sofrimento não é decorrente ao resultado de nossas experiências em si, mas de nossas exigências e expectativas em relação a esses resultados. Se compreendemos que a experiência é apenas um fenômeno, resultado de nossas interações temporais e não base de nossa própria essência, teremos a habilidade de nos “descolar”, nos “desidentificar” desses resultados, nos libertando dessa forma do apego e do sofrimento em relação ao passado.

Se a mente psicológica é um instrumento que nos permite nos expressar, isso significa que a experiência não acontece, exatamente, para nós, mas para a dimensão psicológica de nossas existências, ao registrar fenômenos de ordem momentânea e passageira.

A ideia comum é de que toda experiência nos afetará, isso não é um fato, são as nossas interpretações e a nossa identificação com a experiência que nos fará se sentir afetado positivamente ou negativamente, por cada uma dessas vivências.

A experiência portanto acontece em nós, como um fenômeno temporário e que se esgota ao se findar. Ao integrarmos a experiência, esta não nos deixará resíduos, mas ao nos apegar a experiência e a valorizarmos como essência, consequentemente, isso nos reduzirá.

É a mente psicológica que está criando toda essa ilusão, na qual acreditamos existir como uma entidade separada do todo e, ao nos apegar a todas essas histórias, como resíduos de nossas experiências, fecharemos a porta este momento presente, obcecados em repetir ou evitar resultados do passado.

Para aprender a conhecermos precisamos partir da ignorância, é isso que nos permitirá a descoberta do novo. É neste lugar do vazio das experiências que se encontra o nosso verdadeiro potencial para a realização de novas descobertas, em nosso processo contínuo de autoconhecimento.

Por fim, quero salientar o fato de que a intenção desse texto não foi realizar uma crítica ao empirismo, reconheço, obviamente, a importância fundamental do conhecimento empírico para a filosofia e a ciência, na verdade, as provocações aqui presentes visam se tornarem estímulos, que permita o leitor pensar por si mesmo, e ir além daquilo que lhe é dado de modo débil pelo seu senso comum. 

Porém, aqueles que quiserem conferir crítica muito bem elaboradas ao empirismo eu recomendo a leitura do trabalho de filósofos que tratam sobre este tema de modo crítico como os filósofos alemães Leibniz (1646 - 1716),  Kant (1724 - 1804) e Hegel (1770-1830), para saber mais, sugiro acessar o site que estará nas referências desse texto.

Minha mensagem para você é: Vá além da experiência e conheça tua própria essência. Explore o si mesmo!


Washington Aquino Vieira


Referências: 


Imagem utilizada nessa postagem: A lição de anatomia do Dr. Tulp. Quadro pintado por Rembrandt em 1632.

Glauber Ataide. Críticas ao empirismo de Locke por Leibniz, Hegel e Kant. Filopsemag. Críticas ao empirismo de Locke por Leibniz, Hegel e Kant (filosofiaepsicanalise.org) 2019. Acessado em: 18/10/2022




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